sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A cidade da Bahia - Gregório de Matos Guerra


A cada canto um grande conselheiro, 
que nos quer governar cabana, e vinha, 
não sabem governar sua cozinha, 
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um frequentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha 
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, 
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados, 
trazidos pelos pés os homens nobres, 
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados, 
todos, os que não furtam, muito pobres, 
e eis aqui a cidade da Bahia.

sábado, 1 de setembro de 2012

Amizade - Albert Einstein

Pode ser que um dia deixemos de nos falarMas, enquanto houver amizade,Faremos as pazes de novo.
Pode ser que um dia o tempo passe...Mas, se a amizade permanecer,Um de outro se há-de lembrar.
Pode ser que um dia nos afastemos...Mas, se formos amigos de verdade,A amizade nos reaproximará.
Pode ser que um dia não mais existamos...Mas, se ainda sobrar amizade,Nasceremos de novo, um para o outro.
Pode ser que um dia tudo acabe...Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,Cada vez de forma diferente.Sendo único e inesquecível cada momentoQue juntos viveremmos e nos lembraremos para sempre.Há duas formas para viver a sua vida:Uma é acreditar que não existe milagre.A outro é acreditar que todas as coisas são um milagre.

sábado, 25 de agosto de 2012

O tempo é um fio - Henriqueta Lisboa


O tempo é um fio
bastante frágil
Um fio fino
que à toa escapa.

O tempo é um fio.
Tecei! Tecei!
Rendas de bilro
com gentileza.

Com mais empenho
tranças espessas.
Malhas e redes
com mais astúcia.

O tempo é um fio
que vale muito.

Tranças espessas
carregam frutos.
Malhas e redes
apanham peixes.

O tempo é um fio
por entre os dedos.
Escapa o fio, 
perdeu-se o tempo.

Lá vai o tempo
como um farrapo
jogado à toa.

Mas ainda é tempo!

Soltai os potros
aos quatro ventos,
mandai os servos
de um pólo a outro,
vencei escarpas,
voltai com o tempo
que já se foi!...

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Teu nome - Vinícios de Morais



Teu nome, Maria Lúcia
Tem qualquer coisa que afaga
Como uma lua macia
Brilhando à flor de uma vaga.
Parece um mar que marulha
De manso sobre uma praia
Tem o palor que irradia
A estrela quando desmaia.
É um doce nome de filha
É um belo nome de amada
Lembra um pedaço de ilha
Surgindo de madrugada.
Tem um cheirinho de murta
E é suave como a pelúcia
É acorde que nunca finda
É coisa por demais linda
Teu nome, Maria Lúcia...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Esperança - Mário Quitana




Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A criação do país das maravilhas - Lewis Carroll


Juntos naquela tarde dourada
Deslizávamos em doce vagar,
Pois eram braços pequenos, ineptos,
Que iam os remos a manobrar,
Enquanto mãozinhas fingiam apenas
O percurso do barco determinar.
Ah, cruéis Três! Naquele preguiçar,
Sob um tempo ameno, estival,
Implorar uma história, e de tão leve alento
Que sequer uma pluma pudesse assoprar!
Mas que pode uma pobre voz
Contra três línguas a trabalhar?
Imperiosa, Prima, estabelece:
"Começar já"; Enquanto Secunda,
Mais brandamente, encarece:
"Que não tenha pé nem cabeça!"
E tertia um ror de palpites oferece,
Mas só um a cada minuto.
Depois, por súbito silêncio tomadas,
Vão em fantasia perseguindo
A criança-sonho em sua jornada
Por uma terra nove e encantada,
A tagalerar com bichos pela estrada
_ Ouvem crédulas, extasiadas.
E sempre que a história esgotava
Os poços da fantasia,
E debilmente eu ousava insinuar,
Na busca de o encanto quebrar;
''O resto, para depois...'' ''Mas já é depois!''
Ouvia as três vozes alegres a gritar.
Foi assim que, bem devagar,
O País das Maravilhas foi urdido,
Um episódio vindo a outro se ligar.
E agora a história está pronta,
Desvie o barco, comandante! Para casa!
O sol declina, já vai se retirar.
Alice! Recebe este conto de fadas
E guarda-o, com a mão delicada,
Como a um sonho de primavera
Que à teia da memória se entretece
Como a guirlanda de flores murchas que
A cabeça dos peregrinos guarnece.


domingo, 19 de agosto de 2012

Sentimental - Carlos Drummond Andrade



Ponho-me a escrever teu nome

com letras de macarrão.

No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Estás sonhando? Olhe que a sopa esfria!Eu estava sonhando…
E há em todas as consciências, um cartaz amarelo:
“Nesse país é proibido sonhar.”