segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A criação do país das maravilhas - Lewis Carroll


Juntos naquela tarde dourada
Deslizávamos em doce vagar,
Pois eram braços pequenos, ineptos,
Que iam os remos a manobrar,
Enquanto mãozinhas fingiam apenas
O percurso do barco determinar.
Ah, cruéis Três! Naquele preguiçar,
Sob um tempo ameno, estival,
Implorar uma história, e de tão leve alento
Que sequer uma pluma pudesse assoprar!
Mas que pode uma pobre voz
Contra três línguas a trabalhar?
Imperiosa, Prima, estabelece:
"Começar já"; Enquanto Secunda,
Mais brandamente, encarece:
"Que não tenha pé nem cabeça!"
E tertia um ror de palpites oferece,
Mas só um a cada minuto.
Depois, por súbito silêncio tomadas,
Vão em fantasia perseguindo
A criança-sonho em sua jornada
Por uma terra nove e encantada,
A tagalerar com bichos pela estrada
_ Ouvem crédulas, extasiadas.
E sempre que a história esgotava
Os poços da fantasia,
E debilmente eu ousava insinuar,
Na busca de o encanto quebrar;
''O resto, para depois...'' ''Mas já é depois!''
Ouvia as três vozes alegres a gritar.
Foi assim que, bem devagar,
O País das Maravilhas foi urdido,
Um episódio vindo a outro se ligar.
E agora a história está pronta,
Desvie o barco, comandante! Para casa!
O sol declina, já vai se retirar.
Alice! Recebe este conto de fadas
E guarda-o, com a mão delicada,
Como a um sonho de primavera
Que à teia da memória se entretece
Como a guirlanda de flores murchas que
A cabeça dos peregrinos guarnece.


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